Sala Lilás ajuda a expandir para mulheres vítimas de violência doméstica e sexual em Porto Alegre procedimento de perícia psíquica há muito realizado em crianças e adolescentes. A proposta é utilizar a metodologia para evitar que o trauma da violência sofrida seja agravado na transição entre os diferentes serviços de denúncia e acolhimento e, ao mesmo tempo, qualificar a prova testemunhal para responsabilização dos autores no Sistema de Justiça.
A Sala Lilás é um espaço de acolhimento no Instituto Geral de Perícias (IGP) – órgão vinculado à Secretaria de Segurança Pública – que tem o objetivo de oferecer um atendimento especializado à mulher vítima de violência (ver box ao final da matéria).
Atualmente instalada em três cidades gaúchas (Porto Alegre, Santana do Livramento e Caxias do Sul), a Sala Lilás quer evitar que a vítima passe por situações de constrangimento, trabalhando em favor da dignidade da mulher, aponta a corregedora-geral do IGP e coordenadora das Salas, Andrea Brochier Machado.
Sensibilização dos profissionais
Além do espaço de acolhimento humanizado, o projeto prevê a sensibilização dos profissionais para o problema da violência de gênero – o que contribui também para qualificar a coleta de provas para materialidade do crime e responsabilização do agressor. Nesse sentido, um diferencial desse serviço tem sido o encaminhamento de mulheres para a perícia psíquica, quando solicitado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público.
Como funciona a perícia psíquica
A perícia realizada se apoia em técnicas consagradas internacionalmente no ramo e adaptadas pela equipe do IGP, resultando em um laudo técnico que pode ser útil tanto na instrução do inquérito policial como servir de prova na ação penal.
De acordo com a coordenadora do IGP, esse procedimento é importante, sobretudo, nos casos de violência sexual em que a produção de prova costuma ser dificultada pela inexistência de evidências físicas e, pode ser útil também em outras situações em que não há lesões visíveis, como os casos de violência psicológica previstos pela Lei Maria da Penha. “Os laudos têm sido bem aceitos no Rio Grande do Sul; são uma resposta para as agressões que não deixam a marca física”, aponta.
Na perícia, são realizadas duas entrevistas separadamente – uma por peritos criminais da área da Psicologia e outra por médicos legislas da Psiquiatria -, que depois se complementam para composição do laudo. “A perícia é realizada em dois módulos: primeiro é feita uma entrevista investigativa, que usa técnicas cientificamente comprovadas e de uso internacional para obter o depoimento da vítima e, depois, é realizada uma análise psíquica, separadamente”, detalha a perita médica legista e psiquiatra dra. Angelita Rios.
“A memória da vítima é um local de crime; então, temos que ter um cuidado institucionalizado ao coletar a palavra dessa vítima e acessar essa memória para não contaminá-la, nem promover a revitimização. O que temos buscado é qualificar a prova, aferindo critérios de credibilidade e validade de um determinado depoimento, para que o operador da lei tenha isso de uma forma mais robusta”, explica.
Além de qualificar a prova, o uso das técnicas também busca evitar o agravamento do trauma sofrido, conforme destaca a psiquiatra. “A maneira com que uma vítima é acolhida e como é recebida sua denúncia têm também um impacto psíquico”, alerta. Além do cuidado para evitar rótulos, a perícia aponta para o caminho da unificação da prova, evitando que a vítima tenha que repetir o relato da violência sofrida desnecessariamente nos diferentes serviços de denúncia e atendimento. Nesse sentido, quando permitido, o depoimento é registrado em áudio ou vídeo e, além do laudo, os operadores da lei podem receber o material registrado.
Aceitação da perícia psíquica vem crescendo
A aplicação da perícia psíquica em mulheres adultas, entretanto, ainda é recente no Estado e no País. Segundo a perita, este tipo de perícia já vem sendo realizada desde 2001 no Rio Grande do Sul em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, sendo bastante usual nesta área, e passou a ser aplicada também em casos de violência contra mulheres a partir de 2006. “Sempre temos reuniões buscando o retorno de como está a aceitação dessa perícia no meio legal e ela tem evoluído muito. Mas há uma questão de paradigma aí: antes o processo dependia muito da prova física e, como toda mudança demanda uns 10 ou 20 anos para se consolidar, ainda estamos em uma fase de disseminação da perícia psíquica como prova”, avalia.
Fonte: Por Débora Prado - Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha - janeiro/2014
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