terça-feira, 20 de agosto de 2013

Pela Plena Implementação da Lei Maria da Penha: A luta das mulheres pelo direito a uma vida sem violência, por Flávia Piovesan

Flávia Piovesan é procuradora do Estado, professora doutora da PUC/SP nas disciplinas de Direitos Humanos e Direito Constitucional e membro do CLADEM (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.
Mapa da Violência 2012 publicado pelo Instituto Sangari, aponta que, de 1980 a 2010, foram assassinadas no país mais de 92 mil mulheres. A mesma pesquisa ressalta que duas em cada três pessoas atendidas no SUS são mulheres vítimas de violência doméstica ou sexual.
Como compreender o fenômeno da violência contra a mulher? Qual tem sido a resposta da ordem internacional a esta grave violação aos direitos humanos das mulheres? Qual tem sido o impacto da Lei Maria da Penha na experiência brasileira? Quais são os desafios e perspectivas para assegurar às mulheres uma vida livre de violência?
Fruto de reivindicação do movimento de mulheres, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi adotada pela ONU em 1979, sendo hoje amplamente ratificada por 187 Estados. Embora a Convenção não explicite a temática da violência contra a mulher, o Comitê da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher adotou relevante Recomendação Geral sobre a matéria, realçando que: “A violência doméstica é uma das mais insidiosas formas de violência contra a mulher. Prevalece em todas as sociedades. (…) A violência baseada no gênero é uma forma de discriminação que seriamente impede a mulher de exercer seus direitos e liberdades com base na igualdade com relação ao homem.”
O secretário-geral da ONU, em 8 de março de 2013, reiterou o compromisso das Nações Unidas no combate à epidemia mundial de violência contra a mulher. Segundo a ONU, 7 em cada 10 mulheres no mundo já foram vítimas de violência física e/ou sexual em algum momento de sua vida (dado da Campanha UNite to End Violence Against Women). Por sua vez, a Comissão sobre o Status da Mulher aprovou, em sua 57ª sessão, em março de 2013, uma resolução demandando expressamente que os Estados acelerem seus esforços para desenvolver, revisar e fortalecer políticas para combater as causas estruturais de violência contra mulheres e meninas, incluindo discriminação e estereótipos de gênero, desigualdades e o desequilíbrio nas relações de poder entre homens e mulheres, entre outros fatores. Alude, ainda, à necessidade de empreender esforços com vistas a erradicar a pobreza e as persistentes desigualdades econômicas, sociais e legais, principalmente por meio do fortalecimento da participação econômica de mulheres e meninas, como forma de diminuir o risco de violência. No mesmo sentido, a relatora especial da ONU sobre a Violência contra a Mulher tem realçado a necessidade de fortalecer due diligence standards(*), envolvendo tanto a prevenção, como a repressão à violência no campo da responsabilidade do Estado.
A Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher de 1993 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará)de 1994 reconhecem que a violência contra a mulher, no âmbito público ou privado, constitui grave violação aos direitos humanos e limita total ou parcialmente o exercício dos demais direitos fundamentais. Definem a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública, como na privada”.A violência baseada no gênero ocorre quando um ato é dirigido contra uma mulher, porque é mulher, ou quando atos afetam as mulheres de forma desproporcional. Afirmam que a violência baseada no gênero reflete relações de poder historicamente desiguais e assimétricas entre homens e mulheres.
A Convenção de Belém do Pará elenca um importante catálogo de direitos a serem assegurados às mulheres, para que tenham uma vida livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada. Consagra ainda deveres aos Estados-partes, para que adotem políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.
É neste contexto que nasce a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), em 7 de agosto de 2006, instituindo, de forma inédita, mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como medidas para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência.
Diversamente de dezessete países da América Latina, o Brasil até 2006 não dispunha de legislação específica a respeito da violência contra a mulher. Aplicava-se a Lei nº 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Criminais (JECrim) para tratar especificamente das infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas consideradas de menor gravidade, cuja pena máxima prevista em lei não fosse superior a um ano. Contudo, tal resposta mostrava-se absolutamente insatisfatória, ao endossar a equivocada noção de que a violência contra a mulher era infração penal de menor potencial ofensivo e não grave violação a direitos humanos. Pesquisas demonstram o quanto a aplicação da Lei 9099/95 para os casos de violência contra a mulher implicava a naturalização e legitimação deste padrão de violência, reforçando a hierarquia entre os gêneros. Os casos de violência contra a mulher ora eram vistos como mera “querela doméstica”, ora como reflexo de ato de “vingança ou implicância da vítima”, ora decorrentes da culpabilidade da própria vítima, no perverso jogo de que a mulher teria merecido, por seu comportamento, a resposta violenta.
No campo jurídico a omissão do Estado Brasileiro afrontava a Convenção de Belém do Pará, ratificada em 1995. É dever jurídico do Estado atuar com a devida diligência para prevenir, investigar, processar, punir e reparar a violência contra a mulher, assegurando às mulheres recursos idôneos e efetivos.
Leia a reportagem na íntegra aqui

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