terça-feira, 13 de maio de 2014

Pesquisa sobre segurança pública constatou que houve menção expressa à Lei Maria da Penha em apenas 33% das peças do processo de homicídio de mulheres, entre os anos de 2006 e 2011 no Distrito Federal.

Os operadores de justiça ainda aplicam pouco a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) nos casos de homicídio de mulheres. Um levantamento realizado no Distrito Federal mostrou que entre 2006, ano de promulgação da Lei, e 2011, a porcentagem de menção ao marco legal e a aplicação da agravante de violência contra a mulher estão aquém do necessário. O resultado é interpretado como sinal de baixo impacto do marco legal no processamento e julgamento de homicídios de mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Entre 180 casos analisados, em apenas 33% houve menção expressa da Lei Maria da Penha nas peças do processo de homicídio, segundo a pesquisa Pensando a Segurança, que contou com um capítulo dedicado a avaliar 'o impacto dos laudos periciais no julgamento de homicídio de mulheres em contexto de violência doméstica ou familiar no Distrito Federal' (acesse na íntegra pelo link abaixo). O levantamento faz parte de uma série de pesquisas na área de segurança pública em todo o país, promovidas pelo Ministério da Justiça por meio da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública).

O lado positivo é que o número de condenações foi alto, houve responsabilização pelos homicídios, mas a identificação como violência de gênero é baixíssima', aponta Janaína Lima Penalva da Silva, uma das coordenadoras da pesquisa e integrante do Anis: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero' organização que ficou à frente do capítulo.
     
O documento mostra ainda que, em contraposição com a falta de referência à violência de gênero, em 45% dos casos essas mulheres foram mortas com violência doméstica ou familiar. Desses, em 96% a mulher foi morta por seu companheiro ou ex-companheiro. Houve mais mortes entre a faixa etária de 20 a 24 anos, solteiras e pardas.
Das 36 ações penais de homicídio analisadas em profundidade no estudo (com trânsito em julgado), a agravante de violência contra a mulher só foi mencionada por qualquer um dos atores do processo em 11 casos e só constou de 8 condenações.
O dado mais impressionante dos processos é a baixa aplicação da agravante nas condenações, avalia Janaína. No caso do homicídio, o sistema já falhou em proteger a mulher, o que restaria seria agravar a pena ou ao menos mencionar isso, mas nem simbolicamente o problema da violência de gênero aparece em muitos casos, complementa a pesquisadora.
A pesquisa contatou ainda uma presença forte da cultura patriarcal nas peças. As sentenças são explicitamente patriarcais e só consideram os filhos órfãos, no momento de narrar as consequências do crime. Os estereótipos das mulheres como mães e donas de casa, por um lado, e companheiras ciumentas e provocadoras, de outro, também permanece latente nos processos, afirma.
Igualdade
A ausência de uma consideração da violência de gênero prova que o princípio de igualdade, que a Lei Maria da Penha busca trazer para o processo penal, não está sendo observado no julgamento dos crimes de homicídio de mulheres, segundo o documento. O que a análise dos crimes de homicídio contra mulheres praticados com violência de gênero demonstra é que os níveis de aplicabilidade da lei ainda são baixos, seja porque as mulheres que morreram estavam em risco e poderiam ter recebido proteção, seja porque as ameaças já estavam denunciadas e poderiam ter surtido efeito, seja porque a agravante definida na lei não foi aplicada. As condenações ocorreram. Os homens foram condenados e presos, mas a incorporação da ideia de proteção da mulher contra a violência doméstica ainda não foi incorporada, aponta a pesquisa.
Justamente pelo viés de proteção da mulher, este cenário precisa ser revertido, segundo Janaína. A Lei Maria da Penha não tem só um viés punitivo, ela tem também um preventivo no sentido de redução da violência. E isso só vai existir a partir do momento que a gente enxergar onde está a violência de gênero, argumenta. Para a pesquisadora, a indicação é ainda mais necessária em casos de homicídio: é preciso entender que aquilo foi um fracasso na aplicação da Lei Maria da Penha. Isso precisa vir à tona, até para garantir a aplicação das medidas protetivas que a lei criou, frisa. Desafios No sentido de apontar caminhos, o estudo chama o Ministério Público e o Poder Judiciário a incrementar os níveis de aplicação da Lei Maria da Penha. A primeira tarefa é ampliar o debate sobre essa questão com magistrados e promotores. Além disso, o MP precisa tomar a dianteira para incorporar a Lei e o agravante previsto no momento da denúncia. A regra geral é que muito do que o Ministério Público pautou na denúncia está presente na sentença, indica Janaína.
A violência contra a mulher precisa ainda extrapolar as paredes das varas especializadas. De acordo com a pesquisa, é necessário criar uma comunicação entre as varas de violência doméstica e familiar com as varas do Tribunal do Júri responsáveis segundo a Constituição por julgar todos os casos de homicídios ou tentativas. Somente desse modo o monitoramento da violência de gênero não perderá de vista o que pode ser um fracasso na atuação do sistema de justiça: a morte de uma mulher ameaçada.
O documento aponta também a importância de protocolos específicos durante as perícias, consideradas essenciais para o julgamento de casos de homicídio. ?No processamento do homicídio, é preciso maior diligência na busca de informações objetivas sobre o cenário de ameaça e agressão prévia que a mulher sofria antes de morrer, indica a pesquisadora, que complementa: da mesma forma que Ministério Público e Poder Judiciário, a Polícia Civil e seu corpo de peritos precisam estar atentos às questões específicas de gênero no momento da realização do laudo cadavérico. O exame uterino e o colhimento de amostras biológicas, por exemplo, precisam ser padronizados sempre que a vítima for mulher.

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